Reset

 

Photo by Jose Antonio Gallego Vázquez on Unsplash

– Drª. Rosa, posso mandar entrar o candidato?

Olhou espantada para aquela mulher elegante à porta do gabinete, aparentava conhecê-la bem e tinha acabado de proferir uma questão para a qual não tinha a mínima ideia da resposta – Rosa?! Chamo-me Rosa?! E que candidato é esse?! Onde estou eu?! O que faço aqui meu Deus?! – estes pensamentos sucederam-se a uma velocidade vertiginosa, reparando de seguida que a sua interlocutora aparentava estranheza por ainda não ter obtido resposta, rapidamente disfarçou e disse com um sorriso – sim claro, ele que entre.

Olhou para o computador ligado na sua frente, viu o gestor de correio electrónico aberto com uma quantidade considerável de emails por ler na sua caixa de entrada, mas no lugar de os ler uma ideia surgiu-lhe, clicou em enviar novo correio electrónico e olhou para a assinatura:

Com os melhores cumprimentos,

Rosa Saraiva
Directora de Recursos Humanos


E de seguida o logótipo de uma empresa que nem se deu ao trabalho de ver com atenção – Directora de Recursos Humanos?! Rosa Saraiva! Mau, o que se passa com a minha cabeça?! – pensou enquanto fechou os olhos com força. De seguida ouviu um leve bater numa porta à sua esquerda, abriu os olhos e ia morrendo de susto…

Percebeu que estava num outro gabinete, a decoração era totalmente diferente e desta vez (ao contrário do que estava a somente alguns segundos atrás) a porta do gabinete onde se encontrava era do lado esquerdo, abriu-se e surgiu um rapaz impecavelmente vestido que lhe dirigiu a palavra com evidente à vontade, como se a conhecesse bem, mas mais uma vez ela não fazia ideia de quem ele seria!

– Olá Dr.ª Isabel, é oportuno discutirmos agora o processo que vou defender em tribunal? – Dr.ª Isabel?! Pensou, enquanto começou a sentir a testa a encher-se de suor – não leve a mal, mas neste momento estou a sentir-me um pouco indisposta, pode ser mais tarde? – mantinha o raciocínio rápido e conseguiu ainda responder com alguma lógica, embora estivesse em profunda e total confusão.

– Indisposta? Veja lá doutora, quer ir ao médico? De facto está um pouco pálida, se precisar posso chamar o INEM.

– Não, não é necessário, isto já passa, obrigada.

O rapaz embora visivelmente preocupado, fechou novamente a porta e ela olhou ao seu redor completamente assustada, o seu coração estava acelerado e não entendia o que se estava a passar, olhou pela janela, deu conta de que estava num prédio bastante alto e aparentemente o gabinete deveria ser num vigésimo andar ou mais, deu uma vista de olhos em todas as direcções, mas não reconheceu nada naquela paisagem, nervosa decide abandonar o local e ir até à rua apanhar ar, saiu do gabinete e repara no seu reflexo no vidro da porta de uma sala em frente, estava impecavelmente vestida com um conjunto de saia casaco que não conhecia e uns sapatos de salto alto, e ela nem gostava de saltos!

Viu um elevador ao fundo e decidiu ir nessa direcção atravessando o que lhe pareceu ser um open space com várias pessoas a trabalhar, percorreu-o rapidamente e sem olhar para ninguém, ao chegar ao elevador premiu o botão com a setinha para baixo, aguardou um momento até que a porta se abriu, entrou e premiu no r/c, enquanto a porta se fechou olhou para o piso onde estaria e verificou com espanto que estava no 1º andar, desviou o olhar cada vez mais confusa e viu-se ao espelho, continuava ela mas agora estava vestida com um fato de treino e de ténis!!

– Meu Deus – pensou – mas ainda agora estava de fato e salto alto! – o elevador parou, a porta abriu-se, saiu e estava no hall de entrada de um edifício, do seu lado esquerdo existia uma portaria onde por detrás do balcão se encontrava de pé um senhor que lhe sorriu – Então D. Carla, hoje desceu de elevador, nem parece seu! Está doente?

– Carla?! Ai que confusão, o que está a acontecer comigo? Agora sou Carla! – estes pensamentos surgiam-lhe em catadupa e sentiu-se mesmo mal, não estava a respirar como deve ser, sentia o coração a mil, ficou rapidamente encharcada em suor e tonta, mas ainda conseguiu dizer – de facto não estou bem – antes de se sentir cair desamparada.

– Sofia, Sofia está a ouvir-me? – acordou a ouvir alguém chamar por uma Sofia, quando entreabriu ligeiramente os olhos viu o que lhe pareceu um profissional de saúde a apontar uma pequenina luz para a sua vista enquanto lhe abria a pálpebra da vista direita.

Percebeu que estaria num hospital e que esse médico ou enfermeiro a tratava por Sofia, agitada recordou rapidamente os últimos acontecimentos antes de desmaiar, sem pensar nas consequências foi evadida por um pânico tremendo, começou a esbracejar e a tentar levantar-se enquanto gritava – O MEU NOME É ANA, ANA, ESTÃO A OUVIR?! ANA DE SOUSA MARQUES! – rapidamente viu-se rodeada por vários auxiliares, enfermeiros e ou médicos (não sabia distinguir) que a agarraram enquanto um deles lhe dirigia a palavra de forma serena mas firme – calma Sofia, tenha calma, nós estamos aqui para a ajudar – mas ao ouvir "Sofia" teve o impulso de gritar ainda com mais força – O MEU NOME É ANA, ANA DE SOUSA MARQUES!

– Vá, calma, Ana, ok o seu nome é Ana, desculpe, devo-me ter baralhado – dizia o médico com total serenidade – colabore connosco por favor, pode sentar-se nessa poltrona – Ana olhou para a poltrona indicada ali ao lado e ainda a tremer decidiu acatar a sugestão, sentando-se e pedindo desculpa por ter sido tão brusca – ora essa, a Ana não fez nada para pedir desculpa, acalme-se por favor – na azafama bem organizada começaram a medir-lhe a tensão enquanto lhe foram colocando algumas perguntas, como o nome completo, a morada, o que fazia profissionalmente, se sabia como foi ali parar, etc.

Ela foi respondendo a tudo o que lhe foi solicitado, embora reparasse que o médico que lhe estava a fazer as perguntas trocava de quando em vez um olhar algo estranho com o outro profissional de saúde que ali se encontrava – sabe que dia é hoje? – foi a última pergunta que lhe dirigiram – sei, claro que sei, é véspera do meu aniversário, estamos a 21 de Maio de 2019 – os médicos trocaram novamente um olhar confuso – 2019?! Ok, tenha calma que vai ficar bem – deram-lhe um comprimido e aplicaram uma injecção no seu braço direito, isto foi a última coisa de que se lembra.

Sentia-se drogada, confusa, mal sentia as pernas, sentada numa cadeira de rodas alguém a empurrava num emaranhado de corredores que não conhecia, levaram-na para um gabinete frio, as paredes eram cobertas de azulejos brancos, excepto uma que tinha um enorme espelho e toda a decoração era minimalista, atrás de uma secretária uma médica jovem, recebeu-a e iniciou uma conversa informal – Então Ana como se sente? – ela quis responder mas estava demasiado enferrujada, parecia que tinha a língua enrolada, a médica não pareceu surpreendida e continuou – Sabe onde está? Está numa casa de saúde onde vai ser bem cuidada, não tarda nada tem alta e pode voltar para junto dos seus familiares.

– Familiares?! – conseguiu pensar Ana baralhada, não se lembrava de nenhum familiar e sentia-se com demasiado sono para conseguir pensar, encolheu os ombros desinteressadamente.

Por detrás do aparente espelho existia uma sala com acesso privilegiado a tudo quanto se passava no gabinete, dois homens observavam atentos, até que um mais resoluto desviou a atenção da cena e disse – não há nada a fazer, o software da Realidade Aparente avariou e a Ana foi apanhada no processo. Baralhámos irremediavelmente uma das nossas melhores infiltradas.

– E agora? O que estás a pensar fazer? – questionou o outro.

– A avaria foi resolvida e aparentemente ninguém deu conta, já relativamente a ela, vamos fazer-lhe um reset, inserimos uma memória falsa e detalhada que lhe permita pensar que vive há 37 anos, colocamos um historial nos sistemas de saúde e de educação e fazemos de forma a que fique novamente uma mulher promissora numa empresa multinacional, procura uma que tenha uma vaga para Director(a) de Recursos Humanos, é a função que temos mais em falta no momento para continuar a controlar a maioria. Quando descobrires uma multinacional nestas condições conseguimos encaixa-la lá sem grande dificuldade.

– Ok, vou tratar disso, até amanhã.

– Até amanhã – respondeu o primeiro enquanto pegou num pequeno microfone e começou a dar instruções para o auricular da médica dentro da sala – Dr.ª Mónica, aplique-lhe um sedativo mais forte e leve-a para a sala confidencial, vamos fazer-lhe um reset.


 

Ficção
6.1.21
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