O reflexo

 

Photo by Marc-Olivier Jodoin on Unsplash

A secretária bateu levemente à porta, abriu-a cuidadosamente e questiona – Dá licença? – Ele acede com um breve abanar de cabeça – Sr. Matos, este é o novo mirror que veio para substituir o ZWH45 – o Matos olhou-o, levantou-se com um sorriso e esticou-lhe o braço para o cumprimentar – Olá, eu sou o Matos.

O mirror apertou-lhe a mão ao mesmo tempo que dizia com subserviência evidente – ZWH45.1 ao seu dispor.

– Muito bem, não há tempo a perder – começou Matos fazendo-lhe sinal para o seguir – como sabe o seu antecessor teve de ser afastado das funções porque decidiu rebelar-se, e à conta disso o nosso alvo já anda a ser medicado por um psiquiatra, vamos ver se ainda vamos a tempo de o safar de um internamento!

– Caro senhor, pode confiar em mim, não o vou desiludir.

– Muito bem – proferiu Matos – o tempo esgota-se, vamos para casa dele – e enquanto se colocaram a caminho, continuou – como por certo aprendeu na formação, a nossa função é impedir que eles descubram a nossa realidade, assim, e como o seu antecessor utilizou as nossas fraquezas: água, espelhos e outras superfícies com propriedades semelhantes, para originar este problema medonho, peço-lhe que faça a acoplação mental perfeita para que a sincronização seja excepcional.

– Esteja descansado Sr. Matos – respondeu prontamente ZWH45.1.

Após um trajecto de alguns minutos onde acertaram outros pormenores, encontravam-se agora junto a um prédio no centro da cidade.

– Chegámos, o alvo tem o despertador para daqui a poucos minutos, despache-se mirror, é no 3º esquerdo.

Entraram, ZWH45.1 analisou rapidamente o espaço circundante, dirigiu-se a um cadeirão igual àquele onde treinou vezes sem conta, premiu o botão “ON”, sentou-se, cerrou os punhos com força e engoliu em seco.

Do cadeirão surgiram umas micro ventosas que se agarraram à zona da nuca, uma espécie de descarga eléctrica ocorreu, ZWH45.1 fechou os olhos e iniciou-se o processo.

Num display disponível lateralmente Matos verificou o status a alterar-se, 10% - 20% - 30%, olhou nervosamente para o relógio, faltava muito pouco tempo – será que isto termina antes do alvo acordar?

Olhou novamente para o mirror, o ZWH45.1 estava já em processo de transformação adiantado, nesse momento tocou o despertador, nervosamente Matos espreita para o quarto e vê o alvo a desligar o rádio despertador, olha aflito para o status, marcava 99% - 100%.

ZWH45.1 abre os olhos levanta-se rapidamente e desloca-se para o seu posto – Ufa, mesmo a tempo – pensou Matos, decidindo ficar mais um pouco para ver como corria a parte inicial.

Após desligar o despertador, Pedro abriu os olhos e fixou o tecto durante longos segundos, os medicamentos provocavam-lhe imensa sonolência, recordou os últimos dias e as experiências loucas que tinha vivido – isto passa – tentou convencer-se mentalmente.

Levantou-se, calçou os seus chinelos e dirigiu-se para o WC. Parou junto à porta, respirou fundo como que a tomar coragem para avançar, dirigiu-se ao lavatório tendo o cuidado de olhar sempre para baixo, lentamente apoiou os braços no lavatório, e sem desviar o olhar do chão respirou fundo novamente, levantou a cabeça para o espelho.

Lá estava o seu reflexo, aparentemente estava tudo normal, levantou um braço, de seguida levantou o outro, coçou a cabeça, fez caretas, começou a sentir-se aliviado – os medicamentos estão a fazer efeito – pensou.

Do outro lado do espelho, mas fora do campo de visão do alvo, Matos sorriu ao perceber que o mirror ZWH45.1 estava a desempenhar bem o seu papel de reflexo defendendo o segredo do mundo espelho, saiu pé ante pé e dirigiu-se para o escritório com o seu intimo aliviado, o mundo para cá dos reflexos continuava desconhecido dos humanos.
 

Ficção
2.1.21
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