A mesa

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Carlos estava um pouco nervoso, a Sara era uma grande amiga, no entanto mexia com ele e já não se viam há algum tempo!

Depois de se ter identificado para o intercomunicador, empurrou a porta do prédio que entretanto foi aberta, entrou no elevador, premiu o botão e olhou de relance para o espelho – estou bem – pensou ao mesmo tempo que chegava ao piso correto.

Quando saiu do elevador já ela estava à porta de sua casa de sorriso aberto, cumprimentaram-se com dois beijinhos – entra – disse-lhe Sara.

– Trouxe isto para o nosso jantar – e passou-lhe para a mão uma garrafa de vinho tinto, ela com ar reprovador objectou – nunca mais te convido para nada, convidei-te para jantar não era para trazeres coisas – fez-lhe um sinal com a mão para a seguir – anda daí, vou mostrar-te a minha casa nova e começamos já pela cozinha.

Ele lá foi, a cozinha estava bem arrumada e junto à parede estava uma pequena mesa que lhe chamou imediatamente a atenção – olha, já sonhei com aquela mesa(!) – pensou enquanto deixou sair um sorriso... sorriso esse que foi imediatamente caçado – estás a rir-te do quê?!

– Não me estou a rir de nada – respondeu Carlos.

Ela não ficou satisfeita com a resposta – tu, a rires sem motivo?! Deve ser... a tua cabeça está sempre cheia de ideias a fervilhar! Olha, nem quero saber – disse-lhe enquanto pousou o vinho na bancada e lhe puxou a mão para saírem da cozinha – anda mas é ver o resto da casa.

Mostrou-lhe todo o espaço, uma casa pequenina, muito acolhedora e ele ficou encantado, sem cerimónias jantaram na cozinha, como bons amigos que eram foram contando as novidades da vida de cada um, ela começou por alguns problemas que o ex-marido lhe tinha inventado, as traquinices da filhota, e depois ambos abordaram os projectos que ambicionavam alcançar, algumas histórias nos seus locais de trabalho, os últimos namoricos… gozaram com tudo e riram a sério!

Já no fim da refeição Sara perguntou-lhe – queres café?

– Descafeinado, caso contrário não durmo.

– Não costumo beber descafeinado, não tenho cá disso. De certeza que não queres um café?

– Tenho a certeza que não quero – disse Carlos a levantar-se – mas tira um café para ti enquanto eu lavo a louça.

– Nem penses nisso, és meu convidado lembras-te? – atirou-lhe a Sara na brincadeira tentando colocar um ar ameaçador.

Eles gostavam de se provocar mutuamente, sem nunca ultrapassar o risco esticavam a corda frequentemente, Carlos não resistiu, entrou na brincadeira e iniciou uma provocação – hoje sempre que olhas para mim ficas com os olhos a brilhar, queres falar?

Sara sorriu - Fico?! É do vinho.

– Do vinho? A sério?! – com ar de gozo ele pegou na garrafa e mostrou-lha – bebemos um copo cada um, está aqui o vinho praticamente todo – a sorrir pousa a garrafa, pega no copo dela e diz-lhe – tu nem o teu copo bebeste todo!

Ela forçou uma cara séria – Não tínhamos combinado que não ia-mos brincar?

– Eu não estou a brincar – e piscou-lhe o olho de forma trocista.

Sara levantou-se e tentou tirar-lhe o prato da mão, mas nesse ponto ficaram inadvertidamente os dois de pé muito juntos um do outro, ele pousou o prato lentamente, e aqueles dois ou três segundos pareceram eternos, até que Sara cortou o silêncio:

– Afinal deve ser da luz, tu também tens os olhos a brilhar! – teve lata para o provocar, mas sorriu atabalhoadamente e sentiu-se a ficar ruborizada.

Carlos deixou de pensar direito e aproximou a sua mão esquerda à mão direita dela, entrelaçou docemente alguns dedos nos dela ao mesmo tempo que os lábios dos dois se aproximavam, mas antes de se tocarem ele chegou-se ligeiramente para trás e perguntou – Confias em mim?

Meia confusa deixou sair um sim quase inaudível enquanto abanava com a cabeça, acto continuo ele desvia a cadeira, baixa-se como quem vai para debaixo da mesa e diz-lhe – anda.

– Anda?! Para onde? Estás maluco? – agora estava mesmo confusa e completamente surpresa!

– Vá lá, confia em mim – puxou-a delicadamente pela mão, ela já de cócoras observa-o a ir para de baixo da mesa, deu a volta e sentou-se no chão virado para ela – anda cá – disse e começou a rir-se.

– Tu deves estar bêbado! – entrou de gatas por debaixo da mesa, ao dar a volta para se sentar deu uma cabeçada no tampo da mesa – ai – esfregou a cabeça – só tu – sentou-se ao lado dele, mas no sentido oposto, o lado esquerdo do tronco dela, estava posicionado do lado esquerdo do tronco dele, conseguiam falar lado a lado – Podes explicar-me porque estamos debaixo da mesa? – Carlos passou o braço esquerdo por cima da anca dela e apoiou a mão no chão, os lábios estavam novamente muito próximos, com a mão direita afagou-lhe a cabeça na zona onde ela tinha batido no tampo e beijou-a carinhosamente, Sara deixou-se ir, mas logo a seguir afastaram os seus rostos um pouco e olharam-se – o que está a acontecer Carlos? – ele não lhe respondeu, abraçou-a!

Sara quebrou novamente o silêncio – podes ao menos explicar-me o que estamos a fazer debaixo da mesa?

Colocando um ar sério q.b. por forma a que ela entendesse que não estava a brincar, começou a explicar – sabes, eu… eu… em muitas coisas acredito ser melhor do que o teu passado, no entanto sei que em muitas outras serei pior, então tenho de colocar a imaginação a trabalhar para tentar colmatar os meus pontos fracos… lembrei-me que dificilmente tiveste ou irás ter um homem que te dá o primeiro beijo debaixo de uma mesa, como vês eu serei sempre diferente – os dois riram-se com vontade!

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Tânia e a Sofia tinham estado toda a noite a terminar o trabalho para a cadeira de estatística, a caminho da faculdade e ainda cheia de sono, Tânia perguntou – a tua avó é viúva há muito tempo?

– Eles não eram casados, mas sim, há dois anos – Sofia foi inundada por recordações ternurentas – eram tão giros, sempre me lembro deles felizes e companheirões um do outro, acredito que também deveriam ter os seus problemas, mas com toda a certeza que eram bem geridos pois sempre os vi cheios de felicidade. Mesmo no fim, foi impressionante, ele teve uma doença que o foi incapacitando no fim da vida, mas se visses o carinho e paciência com que ela cuidou dele!

– Os teus avós não eram casados? – continuou Tânia.

– Não. E ele não era meu avó de sangue (embora eu gostasse muito dele), a minha avó foi casada antes dele. Segundo o que a minha mãe me contou, no passado a minha avó ainda chegou a propor casar-se, mas ele nunca quis, acho que dizia que não queria correr o risco de o casamento o adormecer, argumentava que sendo namorados teria sempre em mente que a tinha de conquistar todos os dias! É estranho, mas não deixa de ser um conceito bonito.

Tânia não conseguiu refrear a sua curiosidade e indaga – e porque é que a tua avó tem uma mesa de cozinha velha no quarto? Desculpa a pergunta, mas quando me foste apresentar a ela reparei na mesa pequenina a destoar do resto!

Sofia sorriu condescendente, tinham confiança de sobra para este tipo de perguntas – sinceramente não sei, quando ele morreu os meus pais acharam melhor trazê-la para nossa casa, ela aceitou, mas exigiu trazer aquela mesa, foi a única coisa que quis! Nenhum de nós lá em casa consegue entender a razão. A minha avó está diferente sabes? Por vezes tenho receio que esteja a ficar com alguma perturbação mental! Ela tem um comportamento perfeitamente normal, bem como as conversas, mas no que diz respeito aquela mesa não. Vê lá tu que no outro dia a minha mãe foi dar com ela sentada debaixo da mesa a rir e a falar sozinha! Preocupa-me pois na idade dela conseguir colocar-se debaixo de uma mesa já lhe custa, ainda por cima pôr-se a falar sozinha… enfim, depois agiu como se nada fosse e manteve um comportamento normalíssimo! A sério, trata a mesa como um altar, até parece que teve alguma importância fora do comum na vida dela…

 

Ficção
28.12.20
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